Ouvir com o coração

Li uma história muito legal no livro Blink, de Malcolm Gladwell. Em 1980, a trombonista Abbie Conant candidatou-se para tocar na orquestra filarmônica de Munique. Eram 33 candidatos. Como o filho de um membro da orquestra também estava concorrendo à vaga, os jurados colocaram uma tela de tecido para não enxergar o candidato, mas apenas ouvi-lo. Conant foi a 16ª a tocar. Ela falhou numa nota e achou que não ganharia. Mesmo assim, o comitê ficou estarrecido. Dizem que o artista bom se ouve apenas num compasso. "Este é o artista que precisamos", gritou Sergiu Celibidache, maestro dominador e tradicional, mandando os próximos 17 candidatos embora sem sequer ouvi-los.

No entanto, ao ver que Abbie era uma mulher (o nome havia os confundido), o maestro voltou atrás. “Uma mulher não pode tocar trombone.” Fizeram duas novas audições usando a cobertura da tela de pano. E Conant também venceu nas duas vezes seguintes. E, assim, foi contratada à contragosto. Mas, resistiu na orquestra apenas por um ano. "Precisamos de um homem", insistiu o maestro. Conant foi aos tribunais, onde o maestro argumentou: "ela não possui força física para tocar trombone".

Mas, testes com aparelhos equipararam Conant a atletas. Peritos convocados a elogiaram efusivamente. Depois de oito anos lutando na Justiça, Conant foi reintegrada como primeiro trombonista. E ela precisou ainda mais cinco anos nos tribunais, pois a orquestra se recusava a pagá-la o mesmo que aos homens.

Abbie Conant só ganhou a causa devido a tela de pano. Nestes 30 anos, com audições regradas e com telas (para livrar músicos dos "preferidos dos maestros poderosos”), quintuplicou o número de mulheres em orquestras. E TODOS os ganhadores de audições com tela foram mulheres. A tela de pano possibilitou o uso da intuição, por isso, o comitê viu o que Conant realmente era. E a única maneira real de ouvir é com seus ouvidos e o coração. Legal, né?

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